OS MALAS DO CONGRESSO APRONTAM MAIS UMA





Reunião de líderes da Câmara dos Deputados: apenas os comandantes de sete partidos foram favoráveis à votação urgente do projeto Ficha Limpa



Luiz Cruvinel/Ag. Câmara


Câmara Federal


Sem acordo, deputados deixam votação de Ficha Limpa para maio


Proposta estava na pauta de ontem, mas líderes da base aliada não assinaram pedido de urgência para que ela fosse votada. Com o adiamento, chance de novas regras valerem já para o pleito de outubro é nula


Brasília - Mesmo após seis meses de debate, a maioria dos líderes partidários da Câmara dos Deputados quer mais tempo para colocar em votação o projeto Ficha Limpa. A proposta, que torna mais difícil a candidatura de políticos com problemas na Justiça, estava prevista para ser votada ontem em plenário, mas só deve entrar na pauta em três semanas. A demora inviabiliza que o texto já possa valer para as eleições de outubro. Para isso ocorrer, o projeto deve ser aprovado e sancionado até junho.


A expectativa de decidir o assunto rapidamente foi enterrada pela ação de nove partidos da base aliada ao governo Lula. Líderes do PT, PMDB, PP, PTB, PR, PSB, PCdoB, PDT e PMN se negaram a assinar o requerimento de urgência necessário para a matéria ser votada logo em plenário. Com isso, o texto foi encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A urgência, que agilizaria a votação em plenário, só contou com o apoio de PSDB, DEM, PPS, PSC, PSOL, PHS e PV.


O projeto de iniciativa popular que dificulta a candidatura dos chamados fichas-sujas foi organizado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e conta com 1,6 milhão de assinaturas. O texto original chegou à Câmara no dia 29 de setembro de 2009 e foi debatido por um grupo de trabalho com representantes de todas as legendas por 40 dias. O conteúdo foi modificado em alguns pontos e transformou-se em um substitutivo do relator, deputado Índio da Costa (DEM-RJ), que inclui a necessidade de condenação por um tribunal colegiado para estipular a inelegibilidade – e não apenas a sentença em primeiro grau, como era previsto na primeira versão.


"Falar que não tivemos tempo para discutir é uma desculpa esfarrapada", disse o líder do PSOL, Chico Alencar (RJ). "Estamos passando por um processo nítido de enrolação", definiu Vanderlei Macriss (PSDB-SP), que acompanhou a reunião que retardou a votação. Embora tenha atuado em conjunto, a oposição precisaria do apoio da maioria para conseguir dar urgência ao projeto.


O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), prometeu que tomará uma atitude sozinho caso a proposta fique estagnada na CCJ. "Não se pense que isso é estratégia para retardar, para alterar (a proposta), porque a presidência da Câmara tem a disposição de que se deve votar esse projeto", declarou. Ele também ressaltou que cumpriu a promessa de colocar o texto em votação ontem, mas que o prosseguimento foi comprometido pela falta de um "acordo numérico" entre os líderes.


"Eu até vou anunciar mais ou menos uma data para a votação em plenário: será na primeira semana de maio, no mais tardar." Apesar da previsão, a manobra de ontem esfriou as expectativas sobre a proposta. "Se fosse votado agora já seria difícil de valer para as eleições de outubro, com esse atraso fica praticamente impossível porque o Senado não vai conseguir votar até as convenções partidárias de junho", disse o deputado paranaense Rodrigo Rocha Loures (PMDB).


Críticas


As críticas ao projeto estão relacionadas aos tipos de crimes e ao grau de condenação que leva à inelegibilidade. Partidos como o PR e o PP apresentaram extensos questionamentos sobre a constitucionalidade da matéria. Atualmente, as regras estão definidas pela Lei Complementar 64/1990, que estipula a inelegibilidade apenas para candidatos condenados com sentença definitiva (transitada em julgado).


Além disso, atualmente apenas sete tipos de crime impossibilitam a candidatura. Pelo substitutivo de Índio da Costa, crimes contra o meio ambiente, a saúde pública e a dignidade social também passam a ser motivo de inelegibilidade. "Como é que alguém que cortou uma árvore pode ser considerado inelegível?", criticou o líder do PP, João Pizzolatti (SC). Segundo ele, nenhum partido se colocou contra a aprovação da proposta, mas a maioria acredita que é possível aprimorá-la. "Ou vamos fazer política, ou vamos fazer um projeto legal, que proteja a instituição (Câmara)", disse Pizzolatti.


OPINIÕES:

Amauri Serralvo, advogado e membro do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral.


A demora na votação do projeto é proposital?

Não posso afirmar que seja proposital. Mas não estranharia nada que fosse uma decisão de caso pensado. É muito oportuno para alguns deputados protelar qualquer proposta que tornem mais rígidas as regras de inelegibilidade.


O que resta à sociedade fazer?

A maior pressão já foi feita, que são as 1,6 milhão de assinaturas a favor do projeto. Agora o jeito é pressionar um por um. É mandar e-mail, correspondência, coisa que o povo não acredita muito que funciona, mas que serve para marcar posição. É preciso mostrar aos deputados que estamos atentos. Não é uma questão de simplesmente querer uma nova lei, mas da necessidade de termos uma legislação mais rígida.
A proposta pode ser melhorada como sugere a maioria dos partidos?
Se for para melhorar do jeito que eles querem, qualquer cesta de lixo resolve. Vai melhorar o quê? Já negociamos tudo aquilo que podíamos, não houve intransigência nem quanto à condenação apenas em primeira instância. Eles não vão aprovar o projeto como queríamos, vão fazer uma porção de restrições. Além disso, já deixaram claro que será um processo bem demorado.

OAB e CNBB criticam adiamento

Folhapress
Brasília - Entidades do movimento de combate à corrupção criticaram ontem a decisão dos líderes partidários da Câmara dos De¬¬¬putados de adiar para maio a votação, em plenário, do projeto que estabelece a “ficha limpa” para os candidatos às eleições. Para os representantes, a resistência ao texto mostra que os parlamentares agem em interesse próprio sem levar em consideração a vontade popular.

Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, a mudança de postura dos líderes que sinalizaram colocar o texto em votação na noite de ontem, mas decidiram alterar a proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), é motivado pelo corporativismo.
“Hoje a Câmara frustrou mais de 1,5 milhão de brasileiros e mostrou que os interesses pessoais se sobrepõem ao interesse da sociedade. A Câmara perdeu a oportunidade e prestou desserviço a si própria. O projeto resgataria a boa imagem dos políticos do país e daria uma lufada de esperança aos brasileiros”, disse Cavalcante.
Na avaliação do secretário-geral da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Dimas Lara, os deputados precisam entender que o projeto não é contrário aos políticos. “Esse é um projeto a favor da sociedade e não contra o parlamento.”

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