SEMPRE TIVE O FERNANDO GABEIRA COMO UMA PESSOA ALTAMENTE POLITIZADA E
COMBATIVA. COMO DEPUTADO FEDERAL MOSTROU COMPETÊNCIA E DISCERNIMENTO EM SEUS
PRONUNCIAMENTOS.
GABEIRA ESCREVE CONSTANTEMENTE E TEM UM SITE, ONDE EXPÕE OS SEUS
TRABALHOS E OS ESCRITOS, DEMONSTRANDO MUITA LUCIDEZ QUANTO ÀS ANÁLISES ALI
POSTADAS.
GOSTEI MUITO DO TEXTO ABAIXO QUE, APESAR DE TER SIDO ESCRITO EM 2005,
ESTÁ MUITO ATUALIZADO E, PARECE-ME, UM TANTO PREMONITÓRIO QUANTO AOS
ACONTECIMENTOS ALI DESCRITOS.
FUI PETISTA, TENHO GRANDES AMIGOS NO PARTIDO, MAS APÓS O LULA TER OCUPADO
A PRESIDÊNCIA ME DECEPCIONEI COM A SIGLA, QUE PREGAVA (E AINDA PREGA) A ÉTICA,
A MORAL E UMA POLÍTICA HONESTA.
TENHO AMIGOS NESSE PARTIDO QUE AGEM EXATAMENTE ASSIM E ME PERGUNTO O QUE
ELES ESTÃO SENTINDO COM A PRECIPITAÇÃO
DESSES ÚLTIMOS ACONTECIMENTOS. ACHO QUE MUITA COISA AINDA ESTÁ POR VIR E ESTES
DEVEM ESTAR PREPARADOS PARA O BAQUE.
ENTENDEMOS QUE AS PESSOAS QUE ERRARAM NÃO SÃO O PARTIDO, DE UMA FORMA
GERAL, MAS COMPROMETEM A VISÃO DESTE QUANTO ÀQUELES QUE ESTÃO OBSERVANDO DE
FORA.
COPIEI O ARTIGO DO FERNANDO GABEIRA E AQUI O POSTEI POR ENTENDER MUITO
PERTINENTE E QUEM ACHAR O COTRÁRIO PODERÁ OPINAR, POIS ESTAMOS EM UM PAÍS
DEMOCRÁTICO E EU O SOU ATÉ OS OSSOS.
PELO ANDAR DA CARRUAGEM VEM MAIS COISA POR AI!
EIS O ARTIGO:
FERNANDO GABEIRA
Flores, flores para os mortos
Sempre que os fatos ganham velocidade,
costumo comprar um bloco de notas. Anoto frases, idéias, intuições e deixo que
se decantem com o tempo. Volto a elas, depois, para rejeitá-las ou
desenvolvê-las. A primeira frase que me veio à cabeça foi a da vendedora de flores
que encerra um filme.
O pequeno bloco também tem idéias. Por
exemplo: comparar a ditadura com o governo Lula. Uma neutralizou o Congresso
pelo medo; o outro, pelo pagamento de mesada. Ditadura e governo Lula
compartilham o mesmo desprezo pela democracia, ambos violentaram a democracia
reduzindo o Parlamento a uma ruína moral.
Os militares prepararam sua saída de
forma organizada. Nem muito devagar para não parecer provocação nem muito
rápido para não parecer que estavam com medo. Já o núcleo duro do governo Lula
parece perdido, batendo cabeça, ou melhor, enfiando-a na areia, sem perceber
que a polícia está chegando e, daqui a pouco, alguém vai gritar na porta do
Planalto: "Se entrega, Corisco".
Quando era menino e vivia em Juiz de
Fora, fazíamos rodas de capoeira, bastante rudimentares, confesso. Mas
cantávamos: "A polícia vem, que vem brava/quem não tem canoa, cai
n'água".
Tudo isso jorra aos borbotões na minha
caderneta. Anotei: chamar alguém do "Guinness", o livro dos recordes,
para saber se algum tesoureiro de qualquer partido do mundo se desloca com
batedores de motocicleta e carros clones para iludir perseguidores; se algum
tesoureiro partidário se desloca com jatos particulares, semanalmente; se
introduz no palácio associação de empreiteiros que receberam R$ 1,1 bilhão de
dívidas.
Os militares batiam, davam choques e
insultavam na sessão de tortura, mas vi muitos dizendo que me respeitavam
porque deixei um bom emprego para combatê-los com risco de vida. Eles viam
ideais no meu corpo arrasado pelo tiro e pela cadeia.
O PT queria que eu abrisse mão
exatamente da minha alma, e me tornasse um deputado obediente, votando tudo o
que o Professor Luizinho nos mandava votar. Os militares jamais pediriam isso.
Desde o princípio, disseram que eu era irrecuperável e limitaram-se à tortura
de rotina.
Jamais imaginei que seria grato aos
torturadores por não me pedirem a alma. Não sabia que dias tão cinzentos ainda
viriam pela frente. Que seria liderado por um homem que achava que Maurício de
Nassau era um deputado de Pernambuco. Logo eu, que sou admirador de um deputado
pernambucano chamado Joaquim Nabuco.
Foram os anos mais duros de minha vida.
No meu caderno anoto frases e indicações da semelhanças da luta contra a
ditadura e da luta contra este governo, desde que comecei a criticá-lo, com a
importação de pneus usados. As pessoas têm suas carreiras, seus empregos, sua
racionalizações. É preciso respeitá-las, atravessar o deserto sem
ressentimentos.
Agora, sobretudo, é preciso respeitar o
sofrimento dos vencidos. Outro dia, quando me referi a um núcleo na Casa Civil
como um bando de ladrões que atentava contra a democracia, uma jovem deputada
do PT estremeceu. Senti que não estava ainda preparada para essas palavras
cruas. E fui percebendo pelas anotações que talvez esteja aí, para o escritor,
o mais rico manancial de toda essa crise. Como estão as pessoas do PT? Como se
ajustam a essa nova realidade, que destino tomaram na vida?
Procuro não confundir, entre os que
ainda defendem o governo, aqueles que são cínicos cúmplices e os outros que
apenas obedeceram a ordens sob a forma da aplicação do centralismo democrático.
Alguns defendem porque ainda não conseguiram negociar com sua própria dor. Não
podem suportá-la de frente. Mas terão de fazer algum dia, porque, por mais ingênuos
que sejam, já perceberam que a mãe está no telhado.
Vamos ter de encarar juntos essa
realidade. A grande experiência eleitoral da esquerda latino-americana,
admirada por uma Europa desiludida com Cuba e Nicarágua, a grande novidade que
verteu tintas, atraiu sábios, produziu livros e seminários, vai acabar na
delegacia como um triste fato policial de roubo do dinheiro público e suborno
de parlamentares.
Só os que se arriscarem a ir até o fundo
dessa abjeção, compreendê-la em todos os seus detalhes mórbidos, têm chances de
submergir para continuar o processo histórico. Por incrível que pareça, o
Brasil continua, e a vontade de mudar é mais urgente do que em 2002. Por isso
proponho agora um curto e eficaz trabalho de luto.
Anotação final: começa o espetáculo da
CPI, secretárias e suas agendas, ex-mulheres e suas mágoas, arapongas,
tesoureiros e seus charutos, vossa excelência para cá, vossa excelência para
lá, sigilos bancários, telefônicos, emocionais. Viu, Duda, que cenas finais
melancólicas quando um mercador tenta aplicar à complexidade da política a
singeleza do vendedor de sabonetes?
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